Corpos apartados, afetos em co(a)lizão: o inventário homoerótico e os espólios da perversão em Aqueles dois, de Caio Fernando Abreu

Resumo

Conquanto as relações homoafetivas constituam uma expressão legítima do sexo e da sexualidade, que acompanham o itinerário humano desde tempos imemoriais, consignando um laço comum em algumas das civilizações basilares do mundo ocidental, é notório o arcabouço conceitual regulatório e preconceituoso que, amiúde, deturpa a plasticidade do sexual, de modo que a diferença se transforma em horror e desprezo. Nota-se que grande parte da sociedade hodierna, ainda predominantemente imbuída de um olhar castiço sobre o contato com o outro, concebe os vínculos homoafetivos como ameaça ao bem-estar, à moral e, portanto, às suas próprias configurações normatizadoras, cujos efeitos, em muitos casos, são extremamente corrosivos às subjetividades, as quais se deterioram frente à violência física e/ou psicológica. Como a literatura encerra, em seus flancos, a dinâmica das organizações "civilizatórias", é comum observarmos, em seus enquadres, os conflitos que amalgamam a cultura. ante essas constatações, o presente trabalho empreende um esforço reflexivo, à luz da teoria psicanalítica e da psicologia profunda, acerca das configurações da inquietude e da segregação que se irrompem no conto Aqueles dois, do escritor gaúcho Caio Fernando Abreu, como forma de demonstrar a permanência, em nossa sociedade, de práticas discursivas excludentes, que, calçadas na crença de uma heteronormatividade compulsória, marginalizam tudo aquilo que foge ao cânone sexual, e impõe aos indivíduos que ousam amar à margem (e além dela), máculas de naturezas distintas, seja no tocante ao cerceamento de direitos, ou na degeneração da alteridade e do desejo.